Uma vez que eu ja estava na descida do abismo mesmo, nao adiantava procurar galhos onde me segurar. Eu sempre soube que, pra ter a oportunidade de voltar a tona, eu precisava descer ate o fundo. So de la conseguiria me impulsionar de volta a superficie.

E ao fundo eu fui, sentada no chao da cozinha, sozinha, derramando as minhas lagrimas todas, me sentindo a mais solitaria das criaturas, a mais vazia, a mais abandonada. O choro, uma forma de lavar de mim os sentimentos todos, e comecar de novo, limpa.

Carinho do marido, afeto da amiga ao telefone, nada me alegrava. Nao havia sinal de sorriso nos meus labios.

Mas nao acabava ai a minha noite. Ela tinha me avisado que vinha. Chegou pra luta, ja sabendo, sem nem ter sido informada, do meu estado. Chegou armada de um presente feito com suas maos de fada e duas panelas de bacalhau. Arrumou a mesa, terminou de fazer o caldo verde que eu tinha deixado pela metade e ordenou que eu me pusesse bonita. Logo atras dela vieram uma meia duzia de tres ou quatro, eu nem sabia. Dividimos historias, mimos trazidos da minha viagem, bacalhau, caldo verde, muito vinho e Ginja pra finalizar. E eu terminei a noite exausta, sentada no chao da cozinha, de novo, tirando o salto e soltando os cabelos. Exausta e vazia, porque tinha despejado tudo naquele chao, antes de comecar a renovar.

Nao sei se acabou, nao sei se estou pronta. Mas a tristeza dos ultimos dias eu chorei inteira. E dei lugar pra alguma alegria.  Agora e’ hora de catar os cacos e colar tudo junto de novo, e ‘ hora de cuidar da vida, porque ha muito a cuidar. Se ela, a tristeza, vier de novo, hoje estarei mais forte, alimentada por todo o afeto que havia naquela bacalhoada, pelo carinho ao telefone, pela alegria ao redor da minha mesa e, sobretudo, pelo abraco amoroso antes de adormecer. Eu nao estou  sozinha.

Nota: Sempre que nao souber o que dar de presente de aniversario a uma pessoa querida, cozinhe quantidades enormes de um prato que seja a sua especialidade, se assegure de que a companhia e’ das melhores, de que o vinho e’ honesto, de que a noite ira madrugada adentro e eu te garanto: nao havera forma de amor maior.

image: google images